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domingo, 10 de abril de 2016

Resumo: CHINA E O FIM DA POLÍTICA DO FILHO ÚNICO.

CHINA E O FIM DA POLÍTICA DO FILHO ÚNICO.

O fim da política de filho único e o desequilíbrio na razão de sexo na China, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

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[EcoDebate] A China – o país mais populoso do mundo – já errou muito no trato da sua política populacional e na efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos, ao longo das últimas décadas. As oscilações foram muitas desde que o Exército de Libertação Popular, liderado por Mao Tse-tung, proclamou a República Popular da China, em 1 de outubro de 1949. Naquela época, a população da China era de 544 milhões de pessoas (282 milhões de chineses e 262 milhões de chinesas) e a taxa de fecundidade total (TFT) era de pouco mais de 6 filhos por mulher.
Na primeira década revolucionária (1950-1960) as taxas de mortalidade infantil e de fecundidade começaram a cair, apontando para um declínio rápido que poderia atenuar as altas taxas de crescimento demográfico e a estrutura etária muito jovem. Na época da Revolução o número de nascimentos por ano estava em torno de 25 milhões e caiu para pouco acima de 20 milhões no quinquênio 1955-60. Porém, no contexto da Guerra Fria, o governo chinês adotou a política do “Grande Salto para Frente” objetivando tornar a China uma nação desenvolvida e socialmente igualitária em tempo recorde, acelerando a coletivização do campo e a industrialização. Contudo, o resultado foi um grande desastre econômico em todos os sentidos que provocou uma grande escassez de meios de subsistência entre 1958 e 1961, o que levou a morte de cerca de 40 milhões de pessoas e uma grande redução na esperança de vida.
Para se contrapor à grande mortalidade infantil ocorrida na grande fome (1958-61) a TFT subiu e voltou para o patamar de 6 filhos por mulher. A crise econômica, social e demográfica do início dos anos de 1960 ameaçava a liderança de Mao Tsé-tung. Para evitar qualquer rebelião popular e partidária, o presidente Mao lançou a Grande Revolução Cultural Proletária (ou simplesmente Revolução Cultural), que foi uma radical campanha político-ideológica levada a cabo a partir de 1966 e, em sua fase mais dura, durou até 1969. Neste período, todo o aparato estatal de políticas públicas foi desorganizado e o sistema de saúde ficou em frangalhos.
Mao Tsé-tung incentivou a mobilização contra o chamado pensamento tradicional e burguês e incitou os jovens a defenderem a pureza ideológica (com base no livro vermelho). Estudantes agrediam professores, filhos iam contra seus pais, mulheres contra os maridos, vizinhos contra vizinhos, etc. Na questão demográfica, Mao achava que uma população grande era mais importante do que a bomba atômica e dizia: “quanto mais chineses, mais fortes seremos”. De fato, a população dobrou de tamanho desde a Revolução de 1949 e chegou a 1 bilhão de habitantes pouco depois da morte de Mao, que ocorreu em 1976. A TFT voltou ao patamar acima de 6 filhos por mulher durante a Revolução Cultural. Com isto o número de nascimentos por ano subiu para a casa de 30 milhões. Se o número de nascimentos ficasse neste limiar e a esperança de vida subisse para 80 anos, então a China caminharia para uma população de 2,4 bilhões de habitantes (o cálculo é: 30 milhões vezes 80).
Evidentemente, uma população tão grande em um país pobre seria um tremendo desafio. No início dos anos de 1970 a China estava atolada na pobreza, com uma população muito jovem e em rápido crescimento. O fantasma da “bomba populacional” preocupava os dirigentes chineses que passaram a considerar a política proposta por Paul Ehrlich de dois filhos por casal e a meta “Zero Population Growth” (ZPG). Até Mao Tsé-tung se convenceu que existia uma “bomba-relógio demográfica”. Assim, foi lançada, no início dos anos de 1970, a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que incentivava as mulheres a terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um tamanho pequeno de família.
A política “Wan, Xi, Shao” foi um sucesso e a taxa de fecundidade caiu de mais de 6 filhos em 1970 para menos de 3 filhos em 1980. O número de nascimentos anuais caiu de 30 milhões para pouco mais de 20 milhões. Se este número ficasse constante e com uma esperança de vida de 80 anos, a população da China poderia se estabilizar com 1,6 bilhão de habitantes (20 milhões vezes 80). Mas tudo indicava que a fecundidade iria continuar caindo e também o número de nascimentos por ano. Bastava o governo garantir os direitos sexuais e reprodutivos e fornecesse os meios e as informações para a regulação da fecundidade e para garantir a autodeterminação reprodutiva.
Porém, um governo autoritário não costuma ouvir muito a população. A partir das grandes reformas propostas por Deng Xiaoping, que começaram em 1978, foi instituída no início dos anos de 1980 a política controlista mais draconiana da história da humanidade. O governo chinês passou a impor a política de filho único para quase todas as mulheres e adotou uma série de medidas coercitivas para atingir o objetivo de derrubar as taxas de fecundidade. De fato, a TFT caiu para 1,5 filho por mulher no início do século XXI. Neste sentido, a política “deu certo” na meta de forçar a TFT para baixo de dois filhos (Nota-se que a política de filho único é muito mais radical do que a proposta de ZPG de Paul Ehrlich). Não resta dúvidas de que a queda da fecundidade era necessária para melhor as condições de vida da população e diminuir a pressão sobre o meio ambiente. Entre 1980 e 2015 a China retirou cerca de 1 bilhão de pessoas da pobreza extrema. Isto foi possível, em grande parte, pelo aproveitamento do bônus demográfico, decorrente da transição demográfica.
Entretanto, mesmo entre as pessoas que defendiam a queda da taxa de fecundidade, existiam muitos questionamentos sobre a necessidade desta política autoritária de filho único. Diversas projeções indicavam que a TFT iria continuar caindo, mesmo sem a tal política. Países com populações predominantemente chinesas – como Taiwan, Cingapura e Hong Kong – mas não sujeitas à política de filho único, tiveram quedas nas taxas de fecundidade mais profundas que na China continental. Ou seja, a China continental poderia ter seguido o caminho de Taiwan, Cingapura e Hong Kong e poderia ter elaborado uma política de redução voluntária da fecundidade, evitando uma política coercitiva. De qualquer forma, no final do século XXI devem nascer menos de 10 milhões de chineses por ano, isto aponta para uma população de menos de 800 milhões de habitantes no século XXII. Uma população menor pode trazer melhoras sociais e ambientais.
Mas a política de filho único foi contra tudo que foi decidido na Conferência do Cairo (CIPD), de 1994. Ela vai contra os direitos sexuais e reprodutivos e contra os direitos humanos. Embora tenha conseguido reduzir a TFT, na prática, gerou um outro grande problema demográfico que é o desequilíbrio na razão de sexo, isto é, o desequilíbrio entre o número de homens e o número de mulheres. Isto ocorre porque os chineses têm preferência pelo filho homem e como só podem ter um filho optam pelo fetocídio e o feminicídio e outras formas de se evitar a família de filha única. Desta forma, a razão sexo chinesa é totalmente desequilibrada para o lado masculino. Quando chegam a idade de casar, muitos homens não encontram esposas, pois os montantes de pessoas de cada sexo são muito diversos.
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Em 1950 havia na China 65,2 milhões de homens na idade entre 20 e 34 anos e 59,2 milhões de mulheres na mesma idade. Uma diferença de quase 6 milhões de potenciais maridos em relação às potenciais esposas. Em 1980, antes do início efetivo da política de filho único, a diferença era de 6,6 milhões de homens em relação às mulheres de 20 a 34 anos. Em 2015, o desequilíbrio já tinha passado para 13,4 milhões e em 2040 deverá haver 17,4 milhões de homens em idade de casar em relação ao número de mulheres da mesma idade.
Por incrível que pareça há quem veja um lado positivo neste desequilíbrio da razão de sexo. Os pesquisadores Qingyuan Du e Shang-Jin Wei, no texto “A Sexually Unbalanced Model of Current Account Imbalances” dizem que o excesso de homens contribui para o aumento das taxas de poupança e para o superávit em Transações Correntes: “We show conditions under which an intensified competition in the marriage market can induce men to raise their savings rate, and produce a rise in the aggregate savings and current account surplus”.
Indo ainda mais longe, Shang-Jin Wei e Xiaobo Zhang consideram que o superávit de homens estimula o crescimento econômico, devido ao maior empreendedorismo e trabalho duro das pessoas do sexo masculino: “China experiences an increasingly severe relative surplus of men in the pre-marital age cohort. The existing literature on its consequences focuses mostly on negative aspects such as crime. In this paper, we provide evidence that the imbalance may also stimulate economic growth by inducing more entrepreneurship and hard work. First, new domestic private firms – an important engine of growth – are more likely to emerge from regions with a higher sex ratio imbalance. Second, the likelihood for parents with a son to be entrepreneurs rises with the local sex ratio. Third, households with a son in regions with a more skewed sex ratio demonstrate a greater willingness to accept relatively dangerous or unpleasant jobs and supply more work days. In contrast, the labor supply pattern by households with a daughter is unrelated to the sex ratio. Finally, regional GDP tends to grow faster in provinces with a higher sex ratio. Since the sex ratio imbalance will become worse in the near future, this growth effect is likely to persist”.
Ou seja, foi bom a China acabar com a política de filho único em 2015 e só mesmo a apologia do crescimento econômico pode justificar uma política tão contrária aos direitos sexuais e reprodutivos, e também contrária aos direitos humanos. Porém, mesmo com a fecundidade abaixo do nível de reposição e a perspectiva do decrescimento populacional que deve ocorrer após 2025, a situação ambiental da China é cada vez mais grave e está tendo um impacto não só na Ásia, mas em todo o mundo.
Referências:
Delfim Netto. Sexo e Câmbio, FSP, 20/07/2011
Qingyuan Du; Shang-Jin Wei. A Sexually Unbalanced Model of Current Account Imbalances, NBER Working Paper No. 16000, May 2010
Shang-Jin Wei, Xiaobo Zhang. Sex Ratios, Entrepreneurship, and Economic Growth in the People’s Republic of China. NBER Working Paper No. 16800, February 2011

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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